Estética dental:depende também do que é ingerido

Introdução
A ingestão excessiva e crônica de flúor durante o desenvolvimento
dos dentes pode causar mudanças na estrutura
do esmalte dental, conhecida como fluorose dentária. Além
da fluoretação da água de abastecimento público, diversas
outras fontes de flúor surgiram no mercado. As fórmulas
infantis, como o leite em pó, às quais são adicionadas água
fluoretada, e outras bebidas, como os chás, podem representar
riscos para o desenvolvimento de fluorose dentária,
por conterem flúor em sua composição (1). Apesar do
surgimento destas diferentes fontes de exposição ao flúor,
o dentifrício fluoretado parece contribuir mais significativamente
para o consumo excessivo de fluoretos. O início
precoce da escovação com dentifrícios fluoretados, a
utilização de grande quantidade de dentifrício na escova,
o fato de não cuspir e não bochechar, e o ato de engolir a
pasta têm sido apontados como as causas principais da
ingestão excessiva de flúor através da escovação com
dentifrícios fluoretados por crianças (2).
A fluorose dentária pode causar grande comprometimento
estético nos dentes, e pode ser mais perceptível nos dentes
anteriores devido a sua localização estratégica na arcada.
Para solucionar estes defeitos causados ao esmalte dental,
foi desenvolvida a técnica de microabrasão, que consiste,
basicamente, em desgastar o esmalte dentário, tornando-o
com aspecto clínico saudável e esteticamente agradável (3).
O emprego da microabrasão é uma forma conservadora
de tratar a fluorose dentária, de forma que a quantidade
de esmalte removida pela microabrasão é considerada
irrelevante (4).
É ainda muito difícil mensurar o impacto causado pela
presença da fluorose dentária sobre o indivíduo, uma vez
que a avaliação da estética é muito subjetiva. Muitas vezes,
os padrões estéticos atribuídos pelos dentistas podem não
refletir aqueles considerados pela população. Estudos têm
investigado a opinião de pais e crianças sobre a satisfação
com a estética bucal, sendo a principal causa de insatisfação
a má-oclusão (5); a fluorose dentária em graus mais leves
parece não influenciar a satisfação dos indivíduos quanto à
estética dos dentes (5,6).
A identificação dos fatores de risco para o surgimento de
fluorose dentária é de grande importância para se evitar a
presença de manchas e de uma coloração dental indesejada,
principalmente em crianças e adolescentes tão influenciados
pelos padrões estéticos da atualidade. Muitos pais
desconhecem a quantidade correta de dentifrício que deve
ser usada pela criança, bem como não conhecem as diferentes
concentrações de flúor presentes nos dentifrícios, não
têm o hábito de supervisionar a escovação dos dentes dos
filhos e, muitas vezes, acreditam que quanto maior a
quantidade de flúor utilizada pelas crianças, através de
bochechos, aplicações tópicas de flúor, dentifrícios fluoretados,
melhor será a saúde de seus dentes. O odontopediatra
é o responsável por exaurir todas as dúvidas dos
pais e é o profissional mais bem preparado para oferecer as
orientações adequadas sobre higiene bucal infantil, o que
irá contribuir para um controle mais efetivo da exposição
ao flúor através dos dentifrícios.
A atuação dos pais juntamente com o odontopediatra torna
possível a identificação das fontes de flúor utilizadas pelas
crianças, que podem contribuir para o desenvolvimento de
fluorose dentária. E é o profissional que está apto a indicar
a melhor conduta a ser adotada frente a casos de fluorose
esteticamente comprometedora; portanto, ele deve estar
bem preparado para realizar o correto diagnóstico e deve
dominar as técnicas de remoção das manchas fluoróticas.
Por outro lado, antes de sugerir o tratamento através da
microabrasão do esmalte, o odontopediatra deve estar atento
aos anseios e às expectativas de seus pacientes com relação
à estética. E só após a compreensão das particularidades e
características de cada um, deve propor o tratamento adequado
e mais efetivo para atender a demanda do paciente.
O objetivo deste trabalho é apresentar o caso clínico de duas
crianças, de 8 anos de idade, irmãs gêmeas dizigóticas,
que apresentam fluorose dentária em graus diferentes em
incisivos centrais e laterais permanentes.

Descrição do Caso
As crianças P(1) e P(2), gêmeas dizigóticas, sexo feminino,
8 anos, participaram como voluntárias de um estudo sobre
fluorose dentária em Ibiá, MG (7,8), que possui
água fluoretada numa concentração ótima de 0,6ppm F.
O exame das crianças foi realizado após a assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido pela mãe das crianças.
As crianças foram examinadas em casa, durante o dia, sob
luz artificial (Lanterna PETZL®, Tikka XP, Crolles, França),
com a utilização de espelho plano de plástico descartável
(PRISMA®, São Paulo, SP, Brasil) e gaze para secagem dos
dentes. Previamente ao exame clínico visual, as crianças
escovaram os dentes com dentifrício fluoretado para
remoção de placa bacteriana e debris. A classificação do
grau de fluorose dentária foi feita empregando-se o Índice
Thylstrup & Fejerskov (ITF) (9).
As irmãs apresentaram graus diferentes de fluorose dentária.
P(1) apresentou grau 2 nos incisivos centrais superiores,
incisivos centrais inferiores e incisivos laterais inferiores,
caracterizado por linhas brancas opacas mais pronunciadas
e que freqüentemente se fundiam para formar pequenas
áreas nebulosas espalhadas por toda a superfície do dente;
e grau 3 nos incisivos laterais superiores, onde havia fusão
das linhas brancas e áreas nebulosas de opacidade,
espalhando-se por muitas partes da superfície dentária (9)
(Fig. 1). A irmã gêmea P(2) apresentou graus mais severos
de fluorose dentária: grau 4 nos incisivos centrais
superiores, com toda a superfície dos incisivos centrais
superiores exibindo opacidade marcante ou calcária em toda
sua extensão; os incisivos centrais inferiores e laterais
inferiores apresentaram grau 3 (9) (Fig. 2).
Em seguida, a mãe das gêmeas foi entrevistada com o
objetivo de averiguar a história pregressa de acesso ao flúor
de cada criança quando tinham idade até 3 anos e a satisfação
da mãe quanto à estética dos dentes das filhas.

Fluorose dentária
Neste relato de caso também foram apresentados os dados
da dose de exposição ao flúor à qual as duas irmãs foram
expostas quando tinham 34 meses. A dose de exposição ao
flúor foi levantada através de um estudo epidemiológico que
as crianças participaram em 1998 e publicado em 2003 (7).
Os dados deste estudo relativos à dose de exposição ao
flúor das duas irmãs foram comparados na tentativa de
esclarecer a diferença de severidade de fluorose entre as
gêmeas dizigóticas. A dose total de flúor correspondeu ao
total de flúor que as crianças ingeriam através da dieta (café,
almoço, jantar) e através da escovação com dentifrícios
fluoretados (durante 24 horas).
Foram observadas algumas diferenças em relação às respostas
da mãe sobre os hábitos das duas crianças. De acordo
com ela, até 3 anos de idade, P(2) possuía o hábito de engolir
o dentifrício durante a escovação, o que não era
freqüente para P(1). Também segundo a mãe, nesta idade,
nenhuma das irmãs possuía o hábito de ingerir dentifrício
fora do momento da escovação. Além disso, a mãe citou
que P(2) mamou no peito por 3 meses a mais que a irmã
e que também ingeriu maior quantidade de chás durante
a idade pesquisada. Outra diferença relevante é que P(2)
ingeriu maior quantidade de sulfato ferroso na infância
devido a constantes episódios de anemia (Tabela 1).
Quanto à dose total de exposição ao flúor, nota-se que P(2)
(0,162mg F/kg peso/dia) foi exposta a uma dose maior que
a sua irmã P(1) (0,77mg F/kg peso/dia). A maior diferença
foi encontrada na dose de flúor ingerida através da
escovação com dentifrícios fluoretados. Como confirmado
pelo relato da mãe, P(2) engolia mais dentifrício pela
escovação (0,142mg F/kg peso/dia) que P(1) (0,58mg F/kg
peso/dia). A dose de flúor proveniente da dieta foi semelhante
para as duas irmãs (0,019mg F/kg peso/dia).

Luciene Santini

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